Grandes mulheres do Quênia
“As pequenas coisas que os cidadãos fazem, isso fará a diferença. A minha pequena coisa é plantar árvores. ” – Wangari Maathai
Inaugurando a minha coluna de histórias inspiradoras, hoje falarei sobre Wangari Maathai, a primeira mulher africana, negra, ambientalista e queniana a receber o prêmio Nobel da Paz.
Para nós ocidentais e acostumados com uma sociedade não tão desigual quanto a do Quênia certas histórias de superação que se passam por lá com as mulheres podem parecer banais, mas para ser mulher lá é extremamente desafiador.
Para que vocês tenham ideia a mutilação genital feminina começou as ser considerada crime somente em 2015. Os pais de meninas ainda recebem dote pelo casamento delas e o número de mães abandonadas por seus maridos é alarmante.
Conto isso para que entendam a dificuldade e a superação que as mulheres do Quênia têm que passar para conseguirem se destacar nesta sociedade extremamente patriarcal, que em muitos casos veem a filha mulher apenas como o objeto de um negócio, o qual terá seu lucro consumado no pagamento do dote na época do seu casamento.
Para que uma menina queniana de família pobre ou mesmo de família de classe média consiga chegar à universidade existem muitas barreiras a serem superadas.
Problemas que vão desde a promessa de um casamento precoce, diferentes costumes tribais, dificuldades econômica da família que sempre irá priorizar o estudo dos homens ( não é raro ver famílias em que os homens puderam estudar e as meninas, não), além da vergonha e dificuldade das meninas passarem pelo período menstrual (muitas meninas abandonam a escola na época da puberdade e não retornam mais pois não têm acesso à agua, absorventes ou qualquer tipo de higiene no período menstrual e acabam abandonando a escola por vergonha e medo de sofrerem bullying devido ao sangramento).
Na minha opinião você conhece muito de um povo pela maneira com que ele trata suas mulheres, mas você conhece a tenacidade deste mesmo povo pelas histórias de superação das mesmas. Portanto ter na sua sociedade mulheres extremamente competentes, trabalhadoras e vencedoras mesmo nestas condições adversas diz muito sobre a tenacidade destas mulheres quenianas e nos dá exemplos a seguir.
Existem inúmeras histórias de mulheres que construíram verdadeiros impérios nas mais variadas áreas aqui. Donas de grandes empresas de comunicação, empresárias de sucesso no ramo de TI, comandantes de avião de grande porte, médicas humanitárias que criaram soluções para uma oftalmologia mais acessível aos mais pobres, atletas que desafiam a pobreza e a fome e se tornam medalhistas olímpicas várias vezes.
Todas as histórias são comoventes e certamente têm nelas um poder de superação muito maior que o meu e o seu, mas nenhuma destas histórias se assemelha à de Wangari Maathai.
Wangari Maathai é queniana, nascida em 1940, em Nyeri, uma cidade pequena aos pés do monte Kenya. Quando falo cidade pequena, imaginem uma cidade realmente pequena, com poucos ou nenhum recurso, sem energia elétrica e com água escassa.
Desde criança ela se mostrava uma pessoa de personalidade forte. Quando decidiu estudar mesmo contra os costumes e desaprovações pelo qual passava uma mulher que optava e lutava por ser educada no Quênia. Quem acompanha os meus textos no blog sabe que a mulher aqui no Quênia não é encorajada a estudar, muitas vezes não recebe apoio da família e, nos casos mais graves, é obrigada a se casar com homens muito mais velhos quando atingem a puberdade, tendo que, forçosamente, abandonar seus estudos.
Sempre estudou em escolas católicas e, quando finalizou o estudo médio conseguiu uma bolsa de estudos e foi aos EUA estudar biologia, nos meados de 1960. Ficou por lá até ter o seu mestrado finalizado, quando retornou ao Quênia fez o seu doutorado pela Universidade de Nairóbi em anatomia veterinária, tornando-se a primeira mulher a ter um doutorado em toda a África subsaariana e a primeira mulher a dar aula na Universidade de Nairóbi.
Casou-se e teve três filhos, mas seu marido pediu o divórcio alegando ter uma mulher difícil de ser domada e desobediente. Enfrentou inúmeros problemas por ser mulher em um país machista problemas estes que incluíram ficar desabrigada com seus três filhos depois da separação, e ser destituída do seu cargo na universidade por motivos políticos.
Mesmo com a vida nunca jogando ao seu favor, Wangari nunca desistiu e sempre foi uma ativista ambiental. Ela havia se dado conta de que no Quênia, o solo estava extremamente empobrecido e que as pastagens e lavouras estavam morrendo e os rios secando devido ao grande desmatamento causado pela indústria madeireira. As árvores eram cortadas, o solo erodia e os rios secavam por falta de chuva e pelo assoreamento.
Nas palavras de Wangari: “ No Quênia, as mulheres são as primeiras vítimas da degradação ambiental, porque elas são as que andam horas buscando água, são elas as que acendem as fogueiras que proveem comida para suas famílias. Ela sabia que na falta de água e comida os primeiros a serem afetados seriam as mulheres e as crianças, então, uniu-se às mulheres que queriam mudar sua realidade.
Angariou fundos para que uma pequena quantidade de dinheiro fosse paga à cada árvore plantada e, em 1977 fundou o movimento “Green belt” ou “Cinturão verde” em português. Movimento de reflorestamento, conscientização e estruturação econômica baseada na ecologia, que até hoje já plantou mais de 51 milhões de árvores e criou autonomia econômica para milhares de famílias.
Ela sabia da necessidade do reflorestamento, mas também sabia que as pessoas se engajariam ao projeto se tivessem certa quantidade de dinheiro paga por cada árvore plantada, além disso, com sua ajuda e conscientização, foram criados mais de 6 mil viveiros de mudas, todos operados por mulheres em situação de risco, gerando empregos e uma nova forma de encarar a exploração dos recursos naturais.
Foi premiada inúmeras vezes, mas o mais importante prêmio recebido foi em 2004 quando recebeu o Prêmio Nobel da Paz, quando o comitê proclamou que o ativismo ambiental “talvez fosse o novo caminho para a paz”.
Wangari continuou perseguida, menosprezada por se apenas uma mulher e uma “plantadora de árvores”. Faleceu em 2011, de câncer, mas seu legado permanecerá sempre nos solos africanos. As verdadeiras árvores que ela semeou foram as sementes de uma ecologia em um país até então devastado pelo desmatamento, a semente de uma economia ecologicamente sustentável e a demonstração de que uma mulher sozinha pode muito mais do que sequer imaginamos.
Asante Sana Wangari!
Fonte:
-Maathai, Wangari. The Green Belt Movement: Sharing the Approach and the Experience. New York: Lantern Books, 2003.
-Maathai, Wnagari. Unbowed: A memoir. New York: Alfred Knopf, 2006.